quinta-feira, 6 de março de 2008

The breakfast will be served in the train itself


Viajar na India e querer conhecê-la,, tem de ser feito, em parte,de comboio.
O sistema de caminhos de ferro da India ( Indian Railways) é incrívelmente extenso com mais de 62 000Km em funcionamento pleno, 12 milhões de passageiros diáriamente, mais de 1.6 milhões de funcionários .É fácil perceber a importância dum tal sistema como factor aglutinador da diversidade e multiplicidade, como aproximador e conector das imensidões geográficas e culturais.
Além da lingua inglesa, foi o sistema de caminhos de ferro, uma das boas heranças colonizadoras britânicas.
A cultura do caminho de ferro é única, os comboios únicos, as pessoas representam toda a India e são o cartão identificador da sua região, cidade ou pequena aldeia, estando sempre a falar sobre o seu sitio e sempre com disponibilidade para ajudar.
Conhecer a India,a verdadeira, a da vida normal, a das pessoas, sempre e sempre de comboio.

Comecei esta viagem em Delhi, nem nova nem velha, apenas Delhi.Tempo apenas para um descanso hoteleiro rápido e curto de 4 horas para um partida para um nordeste, para os pés dos Himalaias essa abóboda dos deuses que há muito chamava por mim.


DELHI-HARIDWAR-RISHIKESH
Early morning
The breakfast will be served in the train itself


Quando aparece esta expressão, quer dizer muito, muito cedo, antes do sol nascer, que nestas paragens serve de luz verde para uma desenfreada corrida de mais de um bilião de pessoas que vive e sente como nós e luta por um direito que não têm ou seja a uma vida melhor, porque simplesmente não há recursos para um bilião de vidas melhores.

Caí nas traseiras da estação, assim como uma gota de azeite no meio da água,criando um círculo de pessoas,de olhares zoológicos e curiosos.
Em toda a India nos olham e observam com curiosidade e sem maldade.Olham fixamente, penetram-nos e ......temos apenas temos de nos habituar se os queremos conhecer se queremos entrar.
Como eram traseiras, era necessário pedir informações e a única pessoa que as dava estava na linha 1.
Eu estava muchilado e atordoado na linha doze.


Never,never late to train station.....foram os avisos que recebemos continuamente......estava a perceber o porquê......
As estações de comboios na India são quase todas gigantescas para o nosso conceito de espaço-tempo europeu com milhares de pessoas a circularem, dormirem, viverem e fazendo delas makro cosmos indiscritiveis,mesmo para as prosas mais elaboradas.
Era preciso fazer quase 1 km.
Na linha 1 fiquei a saber que o Expresso de Haridwar era na linha.....12, onde estava inicialmente.....never,never be late to the train station
Regressava à casa da partida e não recebia 2000$, apenas a certeza que faltavam cinco minutos para o comboio partir.... e como eles são pontualmente britânicos.....
Estávamos dentro do comboio., porque tinha de ser e dessas coisas já vou percebendo, acreditando.
Estava a começar mais uma daquelas viagens que iria mudar o mundo, o meu.
nota: publicado originalmente em 2005

terça-feira, 4 de março de 2008

Moçambique, 30 anos




Hesitei antes de escrever sobre o trigésimo aniversário da independência de Moçambique.

Por onde passava, havia uma televisão com imagens de Moçambique, um rádio com discursos sobre Moçambique,uma banca com revistas com artigos sobre Moçambique; as dúvidas rápidamente passaram a certezas e mergulhei.
Foi num clima de euforia e alegria que aquele 25 de Junho,o de 1975, deve ter sido vivido pelos Moçambicanos.Não é todos os dias que nasce um país e que disso somos testemunhas ; para nós portugueses, melhor compreendermos este sentimento, teriamos de recuar a 1143, ou melhor a 1128 após a batalha de S.Mamede e vermos a bandeira do condado Portucalense orgulhosamente desfraldada no castelo de Guimarães.Que júbilo deverá ter sido para os portucalenses de então!
O 25 de Junho de 1975 foi o primeiro dia de Moçambique, nascido de um parto dificil de 12 anos de guerra colonial, de 400 anos de ocupação portuguesa e de 14 meses frenéticos que culminaram no acordo de paz assinado entre Mário Soares e Samora Machel.
O museu da Revolução, Maputo, Maio de 2005
Pelo meu passado esquerdista, quem o podia não ser no Liceu de Almada, pela minha prática revolucionária, pelo meu testemunho e participação daqueles anos fervilhantes ,não podia deixar de visitar o museu da Revolução Moçambicana.
Ao entrar a minha pele engalhinhou-se,vibrei.
O mesmo sentimento vivi,no museu da Revolução Russa em S.Petersbourg na janela onde V.I.Lenin discursou pela primeira vez.Emocionante, sobretudo para quem acredita nas mudanças da sociedade, na evolução pela luta e para quem cresceu como ser humano banhado por ideais de esquerda.
O mundo mudou, eu mudei. Não somos os mesmos, mas as bases de reivindicação cívica perante os novos opressores, agora anónimos e escondidos, mantêm-se.Continuo a acreditar na mudança e na luta pelos nossos direitos enquanto cidadãos do mundo.
Eduardo Mondlane, fundador da Frelimo foi assassinado em Dar- es-Sallam por uma carta armadilhada enviada pelo mesmo agente da Pide que assassinou Humberto Delgado.
Os 4 andares do museu da revolução são além de tudo uma lição de história, uma viagem do Rovuma ao Maputo, pelas pequenas vitórias e derrotas, pelas mortes dos soldados e guerrilheiros, pelo mundo dos anos 60, pelos ícones revolucionários, pelas palavras de ordem, pelos planos quinquenais falhados, pelas machambas ocupadas,pela reforma agrária frustante...uma máquina do tempo pelo preço simbólico de 10 000 meticais ( 0,33€).
O que sabemos depois, são 17 anos de guerra civil, onde facções opostas, Frelimo e Renamo, se degladiaram destruindo infraestruturas e uma identidade recém adquirida.Como em todos conflitos regionais africanos, as divergências locais e o tribalismo latente foram maquiavélicamente aproveitados, na luta geo-estratégica, pelos dois lados da guerra fria.
Por isso, a nossa responsabilidade enquanto cidadãos ocidentais é enorme, não só pelas marcas opressoras da ocupação colonial mas também no estímulo divisionista e destrutivo pós independência.
Moçambique renasceu em 1992 após os acordos de Roma; a paz definiu o ponto de partida; hoje, após 13 anos de paz muito mudou e muito se está a fazer.



Força Moçambique

nota:publicado originalmente em Junho 2005